PONTO ELETRÔNICO

Toda Líbia tem um pouco de Londres

Posted in Youth by mari messias on agosto 22, 2011

Supostamente a grande diferença entre a revolta Líbia, que culminou na tomada de Tripoli ontem e os riots ingleses, que começaram em Tottenham e se disseminaram pelo país duas semanas atrás, é ideologica. Isso altera o começo e o fim dos protestos e os colocaria em posições diferentes, se decidissemos fazer um grande cronograma das revoltas que tem tomado o mundo no último ano.

E digo supostamente por alguns motivos. O primeiro, claro, é porque os fios dessas meadas, como chegaram até mim, foram escritos por quem vê de fora, como eu, mas fisicamente mais de perto.

Além disso, lendo alguns textos sobre Londres, admito que vi um tanto de Líbia.

Por exemplo, no post do MindHacks sobre comportamentos de massa, eu li o estudo do psicológo Clifford Stott, segundo eles um dos poucos especialistas nesse campo. O Stott fala que todas essas crenças de desindividuação (que seria um processo no qual as pessoas se sentem tão imersas em um grupo que deixam de existir individualmente e passam a existir com uma espécie de personalidade coletiva), ainda que se mantenham populares, são cada vez menos corroborados cientificamente.

Segundo os estudos mais recentes, ainda que soframos influência do grupo, não nos tornamos irracionais nem perdemos a individualidade. É como se criassemos uma espécie de personalidade/ideologia de grupo que nos une frente uma ameaça em comum.

Além disso, os estudos do Stott chamam a atenção para a velha máxima: violência gera violência e só o amor constrói. Diante de respostas policiais violentas em uma manifestação pacífica, um maior número de manifestantes tenderia a se tornar violento.

Então, tanto no caso de Londres como da Líbia, o estouro de revoltas foi uma espécie de resposta popular contra um representante de Estado com o qual eles não concordariam e que agia de maneira violenta.

Mas aí, pensamos, Londres e Líbia teriam uma diferença de maturação. Os de lá agiram por uma influência imediata, enquanto os de cá tentaram se livrar de um sistema opressivo que durava mais de 4 décadas. Será?

Quando o Bauman fala de Londres ele diz que somos todos consumidores, por direito e dever. E que todas as variedades de desigualdade social derivam das divisões entre ter e não-ter. Seja pão, carro ou computador.

The objects of desire, whose absence is most violently resented, are nowadays many and varied – and their numbers, as well as the temptation to have them, grow by the day. And so grows the wrath, humiliation, spite and grudge aroused by not having them – as well as the urge to destroy what have you can’t. Looting shops and setting them on fire derive from the same impulsion and gratify the same longing.

E isso, inferimos, não é o processo de um dia.

Confirmando a idéia, acima rola a entrevista do Darcus Howe, um senhor local abordado pela BBC para falar sobre os conflitos. Mais que diz-que-me-disse, Darcus apresenta a opinião contundente e embasada de um escritor, ativista pelos direitos humanos e Pantera Negra. Pra quem quiser saber mais sobre ele, a Vice fez uma entrevista que vale ler.

Na entrevista aí de cima, Darcus é tratado com desdém pela reporter que, além de errar seu nome, corta suas falas e tenta direcionar seu pensamento. A BBC acabou se desculpando por seu comportamento que, mas mais que uma gafe, parece seguir um padrão abordado pelo próprio Bauman no seu texto, ao dizer que não-ter extrapola as esferas do prazer e significa viver sem dignidade e respeito dos demais.

Mais ou menos como acontece na Líbia. E no Egito. E aqui.

É nessa vibe que fala o Zizek sobre Londres. Ele diz que vivemos numa sociedade que reforça o ideal do poder de escolha mas, em última instância, apresenta apenas duas opções: viver segundo as regras ou violência (auto-) destrutiva.

Ele também lembra que devemos evitar a tentação narcisista da causa perdida:  mais que pensar nos conflitos que não param de acontecer pelo mundo, devemos pensar que tipo de nova ordem deve substituir a atual, criticada e em séria crise. Pro Zizek, a falta de perspectiva apresentada pelos espanhóis do Democracia Real Ya ao colocar todos os políticos como corruptos e ser incapaz de propor uma alternativa viável, também pode ser vista nos protestos de Londres e no Egito, que  afastou Mubarak e acabou sendo controlado pelo exército do ex-ditador e por grupos religiosos.

They express a spirit of revolt without revolution.

Mas de toda forma, como eu vejo, essas pequenas mudanças são parte de um todo, uma grande e única mudança, que começa de maneira orgânica, das pessoas pro Estado e nem sempre é grandiosa. Talvez as grandes revoluções, que acabam sendo a imposição de uns sobre outros, como Zizek nos conclama a fazer, estejam perdendo espaço. E isso também é bom.

Só que, mais ou menos como foi debatido na última tarde do Diálogos sobre o Sonho Brasileiro, nosso problema atual não é mobilizar, é saber converter essa energia transformadora em ação criadora de novas possibilidades que sejam fortes, duradouras e façam mais que cócegas no sistema criticado. Pra evitar que ela vire, como tantas viraram, desencanto, falta de esperança e tudo-igual.

Alguém tem alguma sugestão? 😀

As imagens são da daquidaqui e daqui.